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NINA MARQUETI

Nina

O PODER DA AUTO CURA 

ATRAVÉS DA ARTE

Falar. Inspirar. Curar.

Esse foi o processo necessário para que Nina Marqueti conseguisse mudar a realidade de sua história. Transformando uma experiência traumática, sofrida na adolescência, na força motriz de um movimento que trouxe a conscientização para um tipo de abuso que é mais comum do que imaginávamos.

A lógica deveria ser simples: dor física, visita ao médico, tratamento e cura.

Infelizmente para Nina, e muitas outras mulheres no mundo todo, a visita ao Pediatra deu início a um trauma de peso imensurável e consequências inimagináveis.

Foi em uma cidade pequena, conservadora, onde Nina adolescente, começava a entender quem era ela, no que acreditava, ideologia e como era grande o contraste com as ideologias e crenças de sua família.

Nunca ter sido orientada sobre violência sexual e acompanhar situações de opressão, onde pessoas com menos dinheiro acabam “abaixando a cabeça” para pessoas com melhor situação financeira, e onde mulheres “abaixam a cabeça” para os homens, fez com o que o ambiente onde Nina cresceu fosse favorável ao abuso.

“Eu sinto que o que aconteceu comigo, essa violência sexual que eu sofri, foi muito ajudada pelo ambiente onde eu estava. Eu nunca tive uma conversa sobre sexo, nunca tive uma educação sexual efetiva dentro de casa.”

Desde muito nova, Nina enfrentava uma série de problemas de saúde, o que fez com que ela e sua família visitassem médicos periodicamente. E foi em uma situação de internação em um hospital público da sua cidade natal que Nina e sua mãe conheceram o pediatra. 

O procedimento de uma endoscopia trouxe o diagnóstico de duodenite crônica, gastrite, e mais algumas complicações, o que acabou levantando a suspeita de uma doença celíaca, especialidade desse médico.

Nina
nina
Nina

Após anos de tratamentos na clínica particular do pediatra, foi durante o período de vestibular que, após uma crise estomacal, Nina foi parar no hospital novamente, o que fez com que sua mãe buscasse o tal profissional em sua clínica particular.

Nina tinha 16 anos quando voltou ao consultório dele e presenciou uma consulta estranha, que a deixou envergonhada.

“Ele ficou um tempão conversando com a minha mãe e perguntou se eu era virgem.”

A primeira relação sexual de Nina já havia acontecido na época e não era um assunto agradável para sua mãe.

A reação dos pais de Nina em relação ao início da vida sexual da filha não foi compreensiva, chegando ao ponto de ficarem sem falar com ela por alguns dias, e esse tratamento fez com que sua autoestima de adolescente ficasse abalada.

“E acredito que essa situação contribuiu para o que aconteceu naquele consultório”.

Ao responder a pergunta do tal médico sobre a virgindade da filha, a mãe de Nina deu uma resposta que ficou marcada:

“- Ela não é mais, essa menina é terrível doutor, você acredita?”.

“Isso me machucou muito, por muito tempo e abalou a minha relação com a minha mãe.”

O sentimento de exposição e humilhação tomou conta daquela menina, que teve que continuar sentada naquele consultório, ouvindo absurdos como:

“- Minha esposa fica muito chata quando está na TPM, por isso eu a mandei tirar o útero, tirar tudo.”

O próximo movimento foi levar a adolescente para maca e começar o exame.

“- Onde dói, Nina? - Perguntou o médico apertando o abdômen e descendo com suas mãos até chegar em sua virilha.” 

 

“Ele ficou tocando a minha virilha com a minha mãe presente. Ele se posiciona de costas para o acompanhante então não é possível ver onde ele está tocando, mas ele verbalizava que estava tocando a minha virilha para procurar ínguas, o que não levantava suspeita.”

“- Nossa, você está depilada, ein?” – disse o médico, maliciosamente, deixando Nina desconfortável.

“Eu lembro que o jeito que ele falou me deixou envergonhada, eu me senti exposta, mas eu não tinha noção de que um médico iria me violentar sexualmente.”

Nina
Nina

Uma semana depois, Nina retornava ao consultório para entregar os resultados dos exames feitos. Naquela ocasião sua mãe não pôde acompanhá-la porque estava trabalhando, então a adolescente foi pela primeira vez sozinha ao médico.

“Quando eu entreguei os exames ele disse que estava tudo certo, mas que ele precisava me examinar novamente, sendo que na semana passada ele já tinha tocado a minha barriga. Eu deitei na maca e ele falou:

“- Ah, deixa eu ver aquelas ínguas. Posso abaixar a sua calça e calcinha um pouco mais?.”

Foi quando ele abaixou completamente, me deixando completamente exposta. Foi aí que ele começou essa história de:

“- Me fala onde dói. Aqui dói? – disse o médico descendo a mão. – Aqui dói?” 

“Ele estava fingindo que estava me examinando e foi aí que ele começou a me masturbar e inserir os dedos na minha vagina.  

Eu não consegui falar nada, porque já estava me sentindo completamente desmoralizada.

Eu fiquei morrendo de medo. Lembro que o ar condicionado estava ligado e a sala estava fria, então eu estava petrificada, congelada e eu pensava, eu vou congelar aqui e nunca mais vou voltar a vida. 

Enquanto aquilo acontecia, eu lembro do diálogo interno na minha cabeça.

‘- Eu não posso falar nada se não ele vai falar que eu sou louca, ele vai falar que estou vendo malícia onde não tem, mas porque ele está fazendo isso comigo?’”

Durante o abuso, o médico dizia para Nina relaxar e deixar ele fazer o trabalho dele, e ao final ainda reclamou:

“- Eu não consigo trabalhar com você porque você não relaxa!”

“Quando ele disse que eu poderia colocar a minha roupa que o exame tinha acabado, eu me lembro de ter saído daquele lugar com meu estômago embrulhado.” 

Nina
Nina

Nina considera que a maior violência que ela sofreu foi a da sociedade, por não ter sido preparada para aquela situação.

O medo da reação de seus pais fez com que Nina demorasse um tempo para contar para a sua mãe o que tinha acontecido. E foi depois de alguns meses que a adolescente resolveu dividir com a mãe o que tinha acontecido, mas infelizmente, ela não foi acreditada.

“- Isso é coisa da sua cabeça.” - Disse a mãe.

No meio da conversa meu irmão chegou e disse:

“- Para com idéia errada porque você pode acabar com a vida do cara por causa dessa imaginação fértil.”

 “Foi uma surpresa muito grande a reação deles, porque não houve apoio, ninguém acreditou em mim. E por qual razão eu inventaria algo assim, sabe?  

Existiram momentos na minha vida que eu realmente cheguei a acreditar que eu era louca, eu constantemente me perguntava porque eu não tinha falado não, por que eu não tinha falado nada e se o meu silêncio indicava consentimento”. 

Sentindo-se culpada Nina descreve :

“Eu sentia muita vergonha de falar para as pessoas o que tinha acontecido, com medo de ser julgada, das minhas amigas me excluírem, de ninguém querer se relacionar comigo.” 

O trauma físico já havia acontecido, mas com o passar do tempo, o trauma emocional, psicológico, foi se agravando, gradativamente. Levando Nina á depressão e tentativas de suicído. O medo de se abrir para um parceiro e a pessoa perder a atração, o medo da pessoa te olhar de maneira diferente.

Sobre o lugar de vítima, Nina explica qual foi o sentimento:

“Eu sei que eu fui vítima, sei que sobrevivi a um crime que quase me matou, mas a ideia de vítima pode ser muito perturbadora, com essa crença de que a vítima vai replicar o comportamento abusivo e que as pessoas me enquadrariam nesse estereótipo de vítima. E uma vez que você fala, você tem que vestir a roupa da vítima ,mas não define quem eu sou. E não limita a minha experiência neste mundo única e exclusivamente nesta condição como uma vítima."

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Nina
Nina
Nina

O abuso mudou, também, a forma como Nina se relaciona com outras pessoas. Depois do ocorrido, algumas situações aconteciam na hora da relação sexual.

“Às vezes eu tinha umas crises e começava a chorar, então eu acabei falando para todos os companheiros e companheiras que eu tive e sabe o que aconteceu? Ninguém nunca me apoiou a lutar contra isso, ninguém nunca me falou para denunciar, para ir a polícia”.

Foi com a viralização da hashtag “#meuamigosecreto” nas redes sociais que Nina se sentiu vista, se sentiu representada e entendeu a força e a importância de ver pessoas falando sobre seus abusos.

“Eu comecei a ver todas aquelas mulheres falando sobre a violência sexual que haviam sofrido, e mulheres que eu admirava muito, como uma escritora que eu era fã e contou de um estupro que ela sofreu quando era adolescente. Foi lendo frases como "não é sua culpa, não se culpe” que eu entendi que aquela situação que eu vivi não foi culpa minha e que ele não deveria ter feito o que ele fez comigo. Vi mulheres muito fortes e respeitadas sem vestir a roupa de vítima e lutando pela justiça e pela verdade, e aí eu entendi: não sou eu quem tem que ficar com vergonha, não sou eu quem tem que ficar quieta, ele é o criminoso.”

A decisão de falar novamente com os pais e explicar com todas as letras que havia sido estuprada pelo tal médico trouxe, mais uma vez decepção de ter o seu testemunho descredibilizado.

“Saber que mesmo depois de tantos anos, minha família ainda não acreditava em mim, me doeu muito. A sensação de impotência, de que eu não poderia lutar e que não tinha nada que eu pudesse fazer me deixaram em uma depressão seríssima. Eu estava passando um feriado na casa dos meus pais quando tentei abordar o assunto novamente com a minha mãe, e eu senti que ela não tinha as ferramentas para encarar o fato de que eu tinha sido sexualmente abusada. Uma noite, eu estava chorando no quarto quando ela se aproximou e disse:

‘- Eu vou dormir, mas vou deixar a porta aberta se você precisar de alguma coisa.’

E apesar de nunca ter admitido, nunca ter falado nada aquela frase “vou deixar a porta aberta” mostrou que ela estava ali, de alguma forma , para mim.”

​Em 2018, dois anos depois de se mudar para os Estados Unidos, ela foi selecionada para uma residência artística, para escrever uma peça e performar. Nina decidiu escrever uma peça solo, algo que segundo ela, jamais teria acontecido se não fosse pelo apoio do seu atual companheiro.

“Vim para casa, peguei a máquina de escrever e fui contando a minha história. Eu estava escrevendo de um lugar de denúncia e isso foi muito poderoso." 

“A primeira apresentação foi catártica. Eu nunca tinha falado isso para as pessoas abertamente, e de repente eu estava apresentando a minha história para pessoas conhecidas e pessoas completamente desconhecidas.” 

Depois dessa apresentação apareceram pessoas dividindo seus traumas, foi quando Nina percebeu que a maioria das pessoas tinha uma história de abuso, e que “as vítimas” eram a grande maioria. 

Outra coisa em comum que a maioria dos relatos tinha, era o fato de que as famílias, dificilmente ficavam ao lado das vítimas.

A história ganhou um novo capítulo quando Heloísa Villela, correspondente internacional da Record, na época, entrou em contato com a Nina e pediu as informações do médico abusador para que o jornalismo investigativo da Record começasse uma investigação. 

O telefonema de Helo trouxe a segurança, o chão, que Nina precisava.

“Essa coisa de saber que você não está sozinha mudou tudo, porque juntas a gente move montanhas, mas sozinha é foda”. 

“Foram achando cada vez mais casos e foi nesse momento que eu decidi fazer o meu BO, mas como eu estava aqui nos EUA, eu precisava que meus pais fossem fazer. E eles foram. Minha mãe inclusive deu depoimento. Esse momento foi muito importante para o meu relacionamento com a minha mãe." 

Quando a matéria estava para sair, veio a dúvida: mostrar ou não o rosto, expor ou não a família?

“Todas as mulheres tinham dado a entrevista de maneira anônima, então a matéria não tinha um rosto e eu, definitivamente, não queria colocar o meu rosto. Eu tive muito medo do que ele poderia fazer com a minha família, que ainda morava na mesma cidade que o abusador. E se ele contratasse um matador, sei lá. Um pediatra que abusa sexualmente de pacientes pode ser capaz de qualquer coisa.

Mas esse peso não sou eu quem tem que carregar. Quem tem que carregar vergonha, medo e se sentir sujo é ele. É ELE. ELE É UM CRIMINOSO”.

Foi então que Nina decidiu mostrar seu rosto, para que as pessoas soubessem que a vítima de abuso sexual não precisa sentir vergonha.

“Em uma conversa com a Luciana Kornalewski, descobrimos que não havia dados sobre violência sexual praticada por profissionais da área de saúde, então decidimos fazer o vídeo e criar a campanha “#OndeDói”, para trazer informação e ajudar as vítimas, mostrando qual caminho elas podem seguir para denunciar os criminosos.

“A partir do momento que você compartilha a sua história é libertador, a pessoa ter essa oportunidade de falar, e mais do que isso, falar para alguém que acredita nela, que passou pela mesma situação. Foi um processo de cura muito grande”. 

Falar é o primeiro passo para o processo de cura começar. A partir da fala vem a possibilidade de encontrar a sua rede de apoio, encontrar ajuda.

"Eu consegui transformar isso em arte, levar para o meu trabalho, para os holofotes, transformar em discussão. O trauma não limita a gente. Mas é preciso que as pessoas saibam que não é só na hora que acontece, tem um depois, um lugar poderoso de libertação onde podemos usar o que aconteceu para ajudar muitas pessoas.” 

"Hoje, aos 28 anos, eu sinto que é como se fosse um corte que estava infectado. Eu tentei procurar ajuda, mas ninguém quis limpar, ninguém quis ajudar a dar um ponto, ficou infeccionando, doendo, quase me matando. A infecção foi para outros lugares do meu corpo e a partir do momento que eu comecei a lidar com aquele machucado, que eu limpei, cuidei e tratei, o machucado não me define mais. Virou cicatriz. Vai estar sempre ali, eu jamais irei esquecer, mas pelo menos não me dói mais. 

Porque a gente merece viver, cara. Em primeiro lugar, a gente não merece ser estuprada, mas as vítimas de qualquer abuso sexual merecem viver, não apenas sobreviver”. 

Nina

A campanha Onde Dói teve uma repercussão nacional, com mais de 500 denúncias e cerca de 60 mulheres que tiverem suporte e atendimento com a equipe da campanha.
E mais de 10 mil seguidores no Instagram.
E após um ano decidiram por agora encerrar as atividades.
Mas o médico que violentou e estuprou a Nina perdeu a sua licença médica por agora e o processo ainda corre na justiça.

ondedoi
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